(1899) SCHOENBERG Noite Transfigurada

Verklärte Nacht

Compositor: Arnold Schoenberg
Número de catálogo: Opus 4
Data da composição: 1899 para sexteto de cordas; 1917 a versão para orquestra de cordas, revisão em 1943
Estréia: 18 de março de 1902 em Viena, a versão com sexteto

Duração: cerca de 30 minutos
Efetivo: sexteto (2 violinos, 2 violas e 2 violoncelos) ou a orquestra de cordas

No final do século XIX a vida da capital musical da Europa, Viena, via-se dividida entre duas vertentes: os defensores da música pura, sem subtextos nem mensagens subliminares, partidários de Brahms, contra os adeptos da chamada "música do futuro", dos poemas sinfônicos calcados em literatura pré-existente, Sinfonias e demais obras prenhes de extra-significado, tendo em Wagner sua expressão máxima. Essas duas linhas de pensamento ganham uníssono em Noite Transfigurada, que Schoenberg escreveu com 25 anos.

Ainda que prenuncie de maneira sutil o Schoenberg dodecafônico, Noite Transfigurada é uma peça tonal de grande beleza expressiva. Da percepção estética, a obra em muito se influencia da elegância discreta das frases de Brahms. Mas ela traz em si um conteúdo, sendo assim próxima da ideia de música do futuro, pregada por Wagner, Liszt e seus adeptos: a inspiração de Schoenberg é um poema homônimo de Richard Dehmel e suas nuances de sentimento e emoção. A recepção do público foi fria e muita gente ficou escandalizada ao saber do conteúdo sexual presente no poema (que não é lido nem cantado, está apenas como pano-de-fundo para a criação da obra) e certamente incomodou à hipocrisia da Belle Époque a sinceridade com que um casal aborda o tabu da traição, da mulher que assume carregar no ventre o fruto de outro homem, e o companheiro capaz de perdoar e assumir a criança como sua. Leiam abaixo, o poema.

© RAFAEL FONSECA

VERKLÄRTE NACHT,  Richard Dehmel

Zwei Menschen gehn durch kahlen, kalten Hain;
 —  — Duas pessoas caminham por um desfolhado, frio bosque;
Lesser Ury: Abend am Landwehrkanalder Mond läuft mit, sie schaun hinein.
 —  — a lua os acompanha, eles olham para ela.
Der Mond läuft über hohe Eichen,
 —  — A lua caminha sobre altos carvalhos,
kein Wölkchen trübt das Himmelslicht,
 —  — nenhuma nuvem oculta a luz do céu,
in das die schwarzen Zacken reichen.
 —  — dentro da qual os galhos negros se estendem.
Die Stimme eines Weibes spricht:
 —  — A voz de uma mulher fala:

Ich trag ein Kind, und nit von Dir,
 —  — Estou carregando uma criança, e não é sua,
ich geh in Sünde neben Dir.
 —  — Eu ando em pecado ao seu lado.
Ich hab mich schwer an mir vergangen.
 —  — Eu tenho cometido um grave delito contra mim mesma.
Ich glaubte nicht mehr an ein Glück
 —  — Eu não acreditava mais que eu poderia ser feliz
und hatte doch ein schwer Verlangen
 —  — mas ainda tinha um forte desejo
nach Lebensinhalt, nach Mutterglück
 —  — de algo para preencher minha vida, da alegria de ser mãe
und Pflicht; da hab ich mich erfrecht,
 —  — e suas obrigações; assim eu cometi um ato despudorado,
da liess ich schaudernd mein Geschlecht
 —  — assim, estremecendo, deixei meu sexo
von einem fremden Mann umfangen,
 —  — ser tomado por um homem desconhecido,
und hab mich noch dafür gesegnet.
 —  — e eu ainda me senti abençoada por isso.
Nun hat das Leben sich gerächt:
 —  — Agora a vida tem se vingado:
nun bin ich Dir, o Dir begegnet.
 —  — agora eu conheci você, oh, você.

Sie geht mit ungelenkem Schritt.
 —  — Ela caminha com passos desajeitados.
Sie schaut empor; der Mond läuft mit.
 —  — Ela olha para cima; a lua a acompanha.
Ihr dunkler Blick ertrinkt in Licht.
 —  — Seu olhar triste banhado em luz.
Die Stimme eines Mannes spricht:
 —  — A voz de um homem fala:

Das Kind, das Du empfangen hast,
 —  — Que a criança que você tenha concebido,
Deiner Seele keine Last,
 —  — não seja para sua alma uma preocupação,
o sieh, wie klar das Weltall schimmert!
 —  — Oh veja, como o universo brilha tão luminosamente!
Es ist ein Glanz um Alles her;
 —  — Há um brilho ao redor de tudo;
Du treibst mit mir auf kaltem Meer,
 —  — Você está flutuando comigo sobre um oceano frio,
doch eine eigne Wärme flimmert
 —  — mas um calor interno flui
von Dir in mich, von mir in Dich.
 —  — de você para mim, de mim para você.
Die wird das fremde Kind verklären,
 —  — Este calor transfigurará a criança do desconhecido,
Du wirst es mir, von mir gebären;
 —  — Você dará à luz a ela para mim, gerada por mim;
Du hast den Glanz in mich gebracht,
 —  — Você tem trazido luz para dentro de mim,
Du hast mich selbst zum Kind gemacht.
 —  — Você tem gerado um filho de mim mesmo.

Er fasst sie um die starken Hüften.
 —  — Ele a agarra pelos fortes quadris.
Ihr Atem küsst sich in den Lüften.
 —  — Seus hálitos se beijam no ar.
Zwei Menschen gehn durch hohe, helle Nacht.
 —  — Duas pessoas caminham por uma majestosa, brilhante noite.

Tradução:
© AMANCIO CUETO JÚNIOR

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