(1911) SCHOENBERG Canções "de Gurre"

Gurre-lieder

Compositor: Arnold Schoenberg
Número de catálogo: não tem
Data da composição: março de 1900 a novembro de 1911
Estréia: 23 de fevereiro de 1913 — Viena, regência de Franz Schreker

Duração aproximada: 1 hora e 40 minutos 
Efetivo: 5 solistas vocais (soprano, mezzo-soprano, 2 tenores, baixo barítono), narrador, Coro masculino (tenores e baixos), Coro mixto (sopranos, contraltos, tenores e baixos), 8 flautas (sendo que 4 alternam com piccolos), 5 oboés (sendo que 2 alternam com corne-inglês), 7 clarinetas (sendo que 2 alternam com clarineta-baixo e outras 2 com clarineta-piccolo), 3 fagotes, 2 contra-fagotes, 10 trompas (sendo que 4 alternam com tuba-wagneriana), 6 trompetes, 1 trompete-baixo, 7 trombones (sendo 1 contralto, 4 tenores, 1 baixo e 1 contra-baixo), 1 tuba, 1 tuba-contra-baixo, tímpanos, triangulo, 1 tambor-piccolo, 1 tambor-baixo, cymbals, 1 tam-tam, 1 glockenspiel, 1 xilofone, 1 celesta, 4 harpas, cordas (20 primeiros-violinos, 20 segundos-violinos, 16 violas, 16 violoncelos, 8 contra-baixos)

O ciclo das Canções "de Gurre" — que, às vezes, é chamado também de Cantata ou Oratório, devido à estrutura — foram baseados na poesia de mesmo nome, de 1869, do escritor dinamarquês Jens Peter Jacobsen. Jacobsen, por sua vez, apóia-se na lenda medieval dinamarquesa do Rei Valdemar e de sua amante Tove, passada no Castelo de Gurre.

O Castelo existe (hoje em ruínas) e o primeiro registro relativo à sua existência data de 1364, quando o Papa Urbano V enviou uma relíquia à sua capela. O Rei retratado no poema seria Valdemar IV, que reinou a Dinamarca até 1375.

O estilo do compositor aqui ainda se liga fortemente a Wagner e ainda mais a Mahler, não sendo ainda o Schoenberg dodecafônico ou dissonante que tanto assustou as platéias do século XX. A obra se divide em 3 partes. Na primeira, Valdemar (voz de tenor) e Tove (voz de soprano) narram, alternadamente, sua infeliz saga: Na ausência do Rei, a Rainha Helvig planeja a morte de Tove, que acaba escaldada em água fervente. Após um interlúdio orquestral, Tove se transforma na Pomba do Bosque, que será cantada por uma mezzo-soprano, e assim temos a última das 10 canções desta primeira parte:

STIMME DER WALDTAUBE      VOZ DA POMBA DO BOSQUE
   
Tauben von Gurre! Sorge quält mich,      Pombas de Gurre! Preocupações me atorentam
Vom Weg über die Insel her!      De todo o caminho da estrada da ilha!
Kommet! Lauschet!      Apressa-te, ouça!
Tot ist Tove! Nacht auf ihrem Auge,     Tove está morta! A noite fechou seus olhos,
Das der Tag des Königs war!      eles eram o dia para o rei.
Still ist ihr Herz,      Seu coração parou,
Doch des Königs Herz schlägt wild,      mas o do Rei bate furiosamente,
Tot und doch wild!      embora também esteja morto!
Seltsam gleichend einem Boot auf der Woge,      Estranhamente, como um barco sobre as ondas,
Wenn der, zu dess' Empfang      quando para o embarque 
Die Planken huldigend sich gekrümmt,      confia seu flanco curvo,
Des Schiffes Steurer tot liegt,      tem o timoneiro morto,
Verstrickt in der Tiefe Tang.      atolado nas algas do fundo.
Keiner bringt ihnen Botschaft,       Ninguém presta homenagem,
Unwegsam der Weg.       o caminho é intransitável.
Wie zwei Ströme waren ihre Gedanken,       Seus pensamentos eram como dois rios,
Ströme gleitend Seit' an Seite.      rios que correm em paralelo.
Wo strömen nun Toves Gedanken?      Para onde fluem agora os pensamentos de Tove?
Die des Königs winden sich seltsam dahin,      Os do rei perdem-se na distância,
Suchen nach denen Toves,      procuraram os pensamentos de Tove, 
Finden sie nicht.      não os encontram.
Weit flog ich, Klage sucht' ich, fand gar viel!      Eu voei longe, procurei a dor, e muita encontrei!
Den Sarg sah ich auf Königs Schultern,      Eu vi o caixão nos ombros do rei,
Henning stützt ihn;      Henning também o segurava;
Finster war die Nacht,     A noite estava escura,
eine einzige Fackel Brannte am Weg;       uma única tocha brilhava na estrada;
Die Königin hielt sie, hoch auf dem Söller,      a segurava a rainha, no topo da torre,
Rachebegierigen Sinns.       com vingança em sua alma.
Tränen, die sie nicht weinen wollte,      Lágrimas que não queria chorar, 
Funkelten im Auge.      brilhavam em seus olhos.
Welt flog ich, Klage sucht' ich, fand gar viel!      Eu voei longe, procurei a dor, e muita encontrei!
Den König sah ich, mit dem Sarge fuhr er,      Eu vi o rei transportando o caixão,
Im Bauernwams.       vestido como camponês.
Sein Streitroß, das oft zum Sieg ihn getragen,       Seu cavalo, que muitas vezes o levou à vitória,
Zog den Sarg.       puxava o caixão.
Wild starrte des Königs Auge, suchte      O olhar ensandecido do rei, procurava
Nach einem Blick,       aquele outro olhar,
Seltsam lauschte des Königs Herz       estranhamente o coração do rei procurava escutar
Nach einem Wort.      alguma outra palavra.
Henning sprach zum König,       Henning falou ao rei,
Aber noch immer suchte er Wort und Blick.       mas ele esperava por uma palavra, um olhar.
Der König öffnet Toves Sarg,      O rei abriu o caixão de Tove,
Starrt und lauscht mit bebenden Lippen,       olhar fixamente e tents ouvir com lábios trêmulos,
Tove ist stumm!       Tove está muda!
Weit flog ich, Klage sucht' ich, fand gar viel!       Eu voei longe, procurei a dor, e muita encontrei!
Wollt' ein Mönch am Seile ziehn,      Um monge queria puxar a corda,
Abendsegen läuten;      para tocar a benção;
Doch er sah den Wagenlenker       mas viu chegar o cortejo 
Und vernahm die Trauerbotschaft:      e percebeu a triste notícia:
Sonne sank, indes die Glocke      O sol desapareceu, quando o sino
Grabgeläute tönte.      soou o aviso da morte.
Weit flog ich, Klage sucht' ich und den Tod!      Eu voei longe, procurei a dor e morte!
Helwigs Falke     O falcão da Rainha Helwig
War's, der grausam      foi aquele que, cruel
Gurres Taube zerriß!      destruiu a Pomba de Gurre!

Interessante notar que Tove tem o mesmo som que Tófa no dialeto viking medieval, que significa Pomba; enquanto Gurre era a tradução de arrulho (som emitido pelos pombos). Indo mais além, a pomba tem toda a simbologia da fidelidade, da paz e do Espírito-Santo.

A Segunda parte é curta, uma única canção na qual Valdemar blasfema, acusa Deus de tirania e crueldade por tirar dele um amor tão puro.

Na terceira parte temos mais dois narradores, um coro masculino e um coro completo. Nela, o Rei procura por sua vingança para além da morte, chama por seus vassalos mortos que levantam das tumbas e saem em ronda pela noite. A conclusão se dá com o coral "Seht die Sonne!" (Veja o Sol) com a leveza do vento da manhã e os primeiros raios de sol trazendo a paz ao atormentado rei.

© RAFAEL FONSECA