(1913) STRAVINSKY "A Sagração da Primavera"

Le Sacre du printemps

Compositor: Igor Stravinsky 
Número de catálogo: CC 26
Data da composição: 1911/1913
Estréia: 29 de maio de 1913 — Paris, Théâtre des Champs-Élysées, regência de Pierre Monteux

Efetivo: 1 piccolo, 3 flautas (uma delas alternando como segundo piccolo), 1 flauta contralto, 4 oboés (um deles alternando como segundo corne-inglês), 1 corne-inglês, 3 clarinetas, 1 clarinete-piccolo, 1 clarinete-baixo, 4 fagotes (um alternando como segundo contra-fagote), 1 contra-fagote, 8 trompas (2 delas alternando com tubas-wagnerianas), 1 trompete-piccolo, 4 trompetes (um alternando com trompete-baixo), 3 trombones, 2 tubas-baixo, 5 tímpanos, 1 bumbo, 1 gongo, triangulo, tamborim, pratos, reco-reco, cordas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos, contra-baixos)
Duração: cerca de 35 minutos

Esta obra protagoniza um dos mais deliciosos escândalos de toda a história da música. Templo Art-Noveau da capital francesa, na noite de 29 de maio de 1913 o Teatro Champs-Élysées lotou para mais uma noite de espetáculo. No primeiro tempo, a mais refinada sociedade parisiense, misturada com alguns admiradores da vanguarda artística daquele tempo, sentaram-se nas poltronas de veludo vinho para banhar-se do glacê enjoativo de "As Sílfides", balé apoiado em orquestrações da música de Chopin de resultado pra lá de duvidoso. O segundo tempo traria uma estréia: um balé encomendado pelo talentoso Diaghilev a um jovem russo de — ainda — pouca projeção, o nosso Igor Stravinsky.

Depois do intervalo, as luzes do teatro se apagaram e o meticuloso Pierre Monteux postou-se no pódio para reger uma obra que talvez ele nunca tenha admirado de todo (embora a indústria do disco tenha arrancado dele umas 5 gravações diferentes). Quando o fagote soou a primeira melodia num registro muito acima do normal — e dissonante, diga-se — o compositor Camille de Saint-Saëns (um verdadeiro papa da orquestração) virou-se ao colega do lado e perguntou que instrumento era aquele, desconhecendo a sonoridade. Os dançarinos, em trajes inesperadamente teatrais (nada de tutus e calças colantes) começaram seus pulinhos e gestuais geométricos. Ia nascendo o balé moderno...

O choque que se seguiu foi digno da pior comédia-pastelão italiana. Revoltados com as dissonâncias, com o figurino "sem charme" e com a desconcertante dança não-clássica, os grã-finos da platéia ensaiaram umas vaias. Nisso os moderninhos resolveram reagir. Até um ponto em que mal se ouvia a orquestra. Desesperado, Nijinsky, responsável pela coreografia, berrava de trás do cenário a contagem do tempo, para que os bailarinos não se perdessem. Aproveitando-se do clima, dois cavalheiros iniciaram uma guerra de bengalas e cartolas. Num trecho da coreografia, as moças apoiavam o queixo nas mãos, e um gaiato gritou para que procurassem um dentista. Para as senhoras que zombavam do que não compreendiam, um entusiasta mais exaltado uivou: — "Abaixo as putas do Sixième!" em alusão ao bairro mais chique da cidade; ou seja, o delas.

Reza a lenda que Monteux levou a música até o fim, mas saiu do fosso de orquestra com a testa sangrando, atingido por um sapato...

Tanta reação e horror para... para que meses depois a obra fosse aplaudida de pé, em São Petersburgo (no caso, a música sem o balé) e fosse daí em diante apreciada mais e mais ao longo do século, até se tornar um ícone de seu tempo. Para Leonard Bernstein, esta era a peça mais representativa de todo o século XX.

Para retratar a barbaridade e o primitivismo de uma cerimônia pagã na qual se sacrifica uma virgem, Stravinsky se utiliza, magistralmente, de dissonâncias, ritmos cruzados e poli-tonalidade. São 14 trechos que dão vida às seguintes cenas: Primeira parte, a Adoração da Terra. I. Introdução / II. Os Áugures da Primavera: Dança dos Jovens / III. Ritual da abdução / IV. Os Círculos da Primavera / V. Jogos das duas tribos rivais / VI. Procissão do Sábio / VII. A Adoração da Terra / VIII. A Dança da Terra / Segunda Parte: O Sacrifício. IX. Introdução / X. O Círculo Místico das Jovens / XI. Glorificação da Escolhida / XII. Evocação dos Ancestrais / XIII. O Ritual aos Ancestrais / XIV. Dança do Sacrifício.

© RAFAEL FONSECA