(1924) GERSHWIN Rapsódia em azul

Rhapsody in Blue
American Rhapsody (título original durante a composição)

Compositor: George Gershwin; com Ferde Grofé (orquestração)
Data da composição: de 7 de janeiro a 4 de fevereiro (a partitura de Gershwin para dois pianos); de 4 a 10 de fevereiro (a primeira orquestração de Grofé); 1938 (a orquestração sinfônica de Grofé)

Estréia: 12 de fevereiro de 1924, Aeolian Hall, Nova York — Gershwin ao piano, e Paul Whiteman com sua Palais Royal Orchestra

Duração: cerca de 15 minutos
Efetivo: 2 pianos (versão original de Gershwin)

Efetivo, versão de Grofé da estréia: piano-solo; 1 oboé, 1 clarineta, 7 saxofones (1 sopranino, 2 soprano, 2 contralto, 1 tenor, 1 barítono), 2 trompetes, 2 trompas, 2 trombones, 1 tuba, 1 conjunto de tambores, tímpanos, 1 glockenspiel, 1 piano, 1 banjo e violinos

Efetivo, versão sinfônica de Gofré: piano-solo; 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetas, 1 clarineta-baixo, 2 saxofones (contralto e tenor), 3 trompetes, 3 trompas, 3 trombones, 1 tuba, tímpanos, bumbo, caixa-clara, pratos, triângulo, 1 glockenspiel, 1 celesta, 1 banjo e 1 harpa, as cordas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos e contra-baixos)

Nova York. Estamos na noite — bem tarde da noite, aliás — de 3 de fevereiro de 1924. Gershwin joga sinuca com o amigo (e letrista) Buddy DeSylva quando seu irmão Ira irrompe com um jornal nas mãos. Estava anunciada a estreia de uma nova peça dele com a orquestra de Paul Whiteman, num concerto de música moderna americana, dali a um mês. Nesse momento Gershwin se deu conta de que tinha desconsiderado o convite para escrever a obra nova, e tinha agora pouquíssimo tempo para fazê-lo. No dia seguinte, numa viagem de trem para Boston, ele pôs-se a colocar as ideias musicais em ordem. Ia nascendo a então a "Rapsódia Americana", um panorama da música nacional (bastante jazzística, claro) daquele tempo. Como ele se sabia pouco íntimo da orquestração, escreveu a peça para dois pianos, e o arranjo para banda de jazz seria feito por Ferde Grofé, exímio arranjador da orquestra de Paul Whiteman.

A marcação de tempo é:
Molto moderato — Moderato assai — Meno mosso e poco scherzando — Andantino moderato — Agitato e misterioso — Grandioso
(Muito moderado — Ainda mais moderado — Menos movimentado e jogando um pouco — Sem arrastar e moderado — Agitado e misterioso — Grandioso)

Ele terminou a partitura em 27 dias. Grofé teve apenas mais 6 para preparar o arranjo para o início dos ensaios. No primeiro ensaio, Ross Gorman, o clarinetista principal de Whiteman, fez de brincadeira o glissando (escorregar das notas) que imortalizou o início da peça. Mesmerizado, o jovem Gershwin, então com 25 anos, pediu que se mantivesse aquilo na partitura. 

Quando a plateia se reuniu no Aeolian Hall em Nova York para assistir ao que Whiteman chamou de "Experimento de Música Moderna" — e lá estavam sentados Stravinsky, Rachmaninov, o compositor de música de banda John Philip Sousa, o violinista Fritz Kreisler, o maestro Leopold Stokowski — muito do que se ouviu naquela tarde não fez mais que entediar a plateia. Até que entrou o bem-humorado glissando proposto por Gorman e na sequência as geniais melodias de Gershwin envoltas na orquestração super jazzística de Grofé. Como em muitas lendas do mundo musical, a parte do piano solo não estava totalmente escrita e — como Mozart e Beethoven outrora — Gershwin improvisou em vários momentos, tendo fechado a escrita da partitura do solista somente no dia seguinte. Foi um sucesso. A gravação feita em seguida vendeu um milhão de cópias em 3 anos.

Posteriormente Grofé faria outras 4 adaptações da orquestração, mas a que mais se ouve hoje nas salas de concerto, a quinta e última, só foi preparada um ano após a morte de Gershwin, em 1938, e somente publicada em 1942. Ela torna a orquestra mais sinfônica, com as cordas completas, e tira um pouco a força do conjunto de saxofones. Foi essa versão que tomou desde então a paixão do público, que foi gravada por tantos pianistas, sendo Leonard Bernstein — o doublé de músico clássico e popular — aquele que melhor soube sintetizar as consonâncias entre o universo sinfônico e o popular.

Sobre o nome, o que seria uma Rapsódia (forma mais livre e evocativa que um Concerto) Americana, acabou intitulada "em azul". Apesar de esbarrar no estilo, nada em comum com o Blues. Já li fontes que diziam ter Gershwin se inspirado numa frase de Debussy, que associando música às cores teria dito que "num acorde de nona, os bemóis são azuis". Fala-se também que, segundo Ira Gershwin, a inspiração veio de um quadro do pintor americano James McNeill Whistler, uma vista do Rio Tâmisa toda em azul com pontos dourados. O fato é que a família de Gershwin era pródiga em anedotas auto-referentes. As mais famosas delas dão conta do período em que Gershwin foi estudar em Paris e tendo procurado Ravel, ouviu deste: — "O senhor não tem nada a aprender comigo. Melhor ser um Gershwin de primeira que um Ravel de segunda"; e de Stravinsky a pérola, ao saber quanto o colega americano ganhava em suas produções de teatro musical: — "Acho que sou eu quem tem de aprender algo com o senhor!".

© RAFAEL FONSECA

VERSÃO SINFÔNICA, 1938:


VERSÃO JAZZÍSTICA, 1924:


VERSÃO DOIS PIANOS, original de Gershwin:

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