(1900) FAURÉ Réquiem

Compositor: Gabriel Fauré
Catálogo: Opus 48
Data da composição: 1887 a 1900

Estréias: 16 de janeiro de 1888, em serviço religioso na Igreja da Madeleine de Paris, direção do autor (primeira versão)
Estréias: 12 de julho de 1900, em concerto no Trocadéro, Paris, Orquestra do Conservatório dirigida por Paul Taffanel (versão sinfônica)

Duração: cerca de 35 minutos
Efetivo: soprano solista, barítono solista;
Efetivo: coro (sopranos, contraltos, 2 grupos de tenores, 2 grupos de baixos);
Efetivo: 2 flautas, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpano, órgão, harpa, e as codas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos e contra-baixos)

O Réquiem de Fauré foi, por uma década e meia, uma obra em construção. A primeira motivação talvez tenha sido a morte de seu pai, em 1885. Ele já havia iniciado os trabalhos de seu "Pétit Réquiem" quando sua mãe morreu em 1887. Perguntado porque escrevia um Réquiem, foi irônico: — "Por prazer, quem sabe..." mas devemos lembrar o quão natural para um organista de igreja, que ocupava o cobiçado cargo na Madeleine de Paris, seria escrever algo para um serviço religioso. E assim a obra "estreou", nos funerais do arquiteto Joseph Lesoufaché, com 5 dos 7 movimentos atuais. Apenas as cordas graves (violas, violoncelos e contra-baixos), alguma percussão, harpa, órgão e o coro masculino (meninos cantando soprano e contralto como era a tradição); e um menino-soprano para o solo no Pie Jesu — o que lhe valeu uma reprimenda do Arcebispo logo após a cerimônia, escandalizado com "as novidades".

No ano seguinte, 1889, ele apresenta o Réquiem novamente, e acrescenta o trecho Hostias ao Offertorium; ainda enriquece a instrumentação com duas trompas e dois trompetes. Em 1893 aparece uma versão revisada, incluindo o "Libera Me". Para as festividades da Exposição Universal de 1900, ele re-orquestrou a obra para orquestra sinfônica complete o espetáculo foi apresentado com 250 integrantes entre coro e instrumentistas, com imenso sucesso. É essa a versão que prevalece.

I. Introït et Kyrie: Molto largo — Andante moderato 
(Entrada e Kyrie: Bastante devagar — Confortavelmente, moderado) — cerca de 7 minutos
Tendo em mente os dois Réquiens mais famosos que antecedem o de Fauré, vemos que ele inicia sua obra num estado totalmente diferente. Se Mozart imprime o temor da morte com a introdução lúgubre dos sopros graves, e Verdi teatraliza o pavor da punição divina, Fauré usa de tons amenos — devotadamente sentido, mas de certa forma com resignação, triste, mas ameno.

—— Coro:
—— Requiem aeternam dona eis, Domine, 
—— Repouso eterno dá-lhes, Senhor,
—— Et lux perpetua luceat eis. 
—— E luz perpétua os ilumine.
—— Te decet hymnus, Deus, in Sion, 
—— Tu és digno de hinos, ó Deus, em Sião,
—— et tibi reddetur votum in Jerusalem: 
—— e a ti rendemos homenagens em Jerusalém:
—— Exaudi orationem meam, 
—— Ouve a minha oração,
—— ad te omnis caro veniet. 
—— diante de Ti toda carne comparecerá.

—— Kyrie eleison. 
—— Senhor, tem piedade.
—— Christe eleison. 
—— Cristo, tem piedade.
—— Kyrie eleison. 
—— Senhor, tem piedade.

II. Offertoire: Adagio molto — Andante moderato — Iº Tempo
(Ofertório: Muito calmamente — Confortavelmente, moderado — volta ao andamento inicial) — cerca de 9 minutos
Um trecho tocante, de grande delicadeza, no qual temos o primeiro solo vocal, do barítono. É um trecho que, em geral, os compositores exploravam de maneira seccionada e com maior duração, mas que Fauré opta por tratar de maneira mais concisa e com grande densidade.

—— Coro:
—— Domine Jesu Christe, Rex gloriæ, 
—— Senhor Jesus Cristo, Rei da Glória,
—— libera animas defunctorum 
—— liberta as almas que morreram
—— de pœnis inferni et de profundo lacu: 
—— das penas do inferno e do lago profundo:
—— Libera eas de ore leonis, 
—— Libertai-as da boca do leão
—— Ne absorbeat eas tatarus, 
—— Que não sejam absorvidas no inferno,
—— ne cadant in obscurum: 
—— nem caiam na escuridão:
—— 
—— Barítono:
—— Hostias et preces tibi, Domine, laudis offerimus: 
—— Sacrifícios e preces a Ti, Senhor, oferecemos com louvores:
—— Tu suscipe pro animabus illis, 
—— Recebe-os em favor daquelas almas,
—— quarum hodie memoriam facimus: 
—— Das quais hoje nos lembramos:
—— Fac eas, Domine, de morte transire ad vitam. 
—— Fazei-as, Senhor, da morte passarem para a vida.
—— Quam olim Abrahæ promisisti et semini ejus. 
—— Conforme prometeste a Abraão e à sua descendência.

—— Coro:
—— Domine Jesu Christe, Rex gloriæ, 
—— Senhor Jesus Cristo, Rei da Glória,
—— libera animas omnium defunctorum 
—— liberta as almas de todos os que morreram
—— de pœnis inferni et de profundo lacu: 
—— das penas do inferno e do lago profundo:
—— Amen. 
—— Amén.

III. Sanctus: Andante moderato
(Santos: Confortavelmente, moderado) — cerca de 3 minutos
Outra vez temos um contraste em relação a obras anteriores, como as já citadas de Mozart e Verdi. Fauré, até aqui, sequer alterou significativamente os andamentos, permanecendo em movimentos lentos e calmos. E a música é sempre de extrema contrição, suave. Somente após a parte feminina do coro entoar "Hosana nas alturas", é que um chamado da fanfarra irá fazer crescer a sonoridade para, com mais ênfase, a frase ser repetida pela parte masculina do coral, num efeito belíssimo para representar as "alturas".

—— Coro:
—— Sanctus, Sanctus, Sanctus Dominus, Deus Sabaoth. 
—— Santo, Santo, Santo, Senhor Deus dos Exércitos.
—— Pleni sunt cœli et terra gloria tua. 
—— Cheios estão os céus e a terra da Tua glória.
—— Hosanna in excelsis. 
—— Hosana nas alturas.

IV. Pie Jesu: Adagio
(Piedoso Jesus: Com calma) — cerca de 3 minutos e meio 
Sobre o trecho do Pie Jesu, Fauré ouviu de seu professor, Camille Saint-Saëns, em 1916: — "Existe só um Pie Jesu, e é o teu. Assim como só existe um Ave Verum, o de Mozart, o único Pie Jesu é o teu!". É, realmente, a parte mais iluminada da partitura. Um daqueles momentos que, por si só, podem fazer a fama de um compositor. Normalmente, hoje, o ouvimos na voz de uma soprano, mas alguns maestros podem optar, aqui, pela delicada voz de um menino-soprano. Isso porque nas primeiras apresentações, na Igreja da Madeleine em Paris, as autoridades religiosas o impediram de colocar mulheres na execução — mesmo no coro, as vozes de soprano e contralto eram feitas pelos meninos-cantores — e o compositor, contrariado e sem opção, acatou. Ambas as possibilidades são muito tocantes, pois o principal aqui é a qualidade da música. Interessante notar, no acompanhamento das cordas percebe-se um certo orientalismo no tratamento do som, que ecoam em obras de Puccini no mesmo período.

—— Soprano:
—— Pie Jesu Domine 
—— piedoso Senhor Jesus
—— Dona eis requiem, 
—— Dá-lhes repouso,
—— requiem, sempiternam. 
—— repouso eterno.

V. Agnus Dei et Lux Æternam: Andante — Molto largo — Iº Tempo
(Cordeiro de Deus e Luz Eterna: Confortavelmente — Bastante devagar — volta ao andamento inicial) — cerca de 6 minutos
Um dos Agnus Dei mais doces já concebidos. O que não impede de trazer um episódio contundente na primeira repetição do texto, mas a música nunca perde a ternura. Conciso, Fauré escolhe juntar no mesmo movimento o Luz Eterna, em corrente sonora de prece mais enfática, também de grande beleza. Um enunciado dos trombones apoiado em acordes poderosos do órgão dão vez à repetição do texto Réquiem que retorna com a temática de abertura da obra.

—— Coro:
—— Agnus Dei, qui tollis peccata mundi: 
—— Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo:
—— donna eis requiem, 
—— dai-lhes repouso,
—— requiem sempiternam. 
—— repouso eterno.

—— Lux æterna luceat eis, Domine: 
—— Que a luz eterna os ilumine, Senhor:
—— Cum Sanctis tuis in æternum: quia pius es. 
—— Com os teus santos pela eternidade: pois és piedoso.
—— Requiem æternam dona eis, Domine: 
—— Repouso eterno dá-lhes, Senhor:
—— Et lux perpetua luceat eis. 
—— E que a luz perpétua os ilumine.

VI. Libera me: Moderato — Più mosso — Moderato
(Livra-me: Moderadamente — Mais movimentado — Moderadamente) — cerca de 5 minutos
Embora o Pie Jesu seja, para muitos, o ponto alto da obra, eu tenho especial predileção por este Libera Me, o trecho de maior dramaticidade e contrição. Num dos poucos trechos no qual "a força aterradora dos céus" se faz presente, o Dies illa tem grande apelo emocional, com acordes da fanfarra subindo o tom, numa das únicas passagens na qual a anima da música excede a placidez geral da obra.

—— Barítono:
—— Libera me, Domine, de morte æterna, 
—— Livra-me, Senhor, da morte eterna,
—— in die illa tremenda 
—— naquele dia tremendo,
—— quando cœli movendi sunt et terra, 
—— quando os céus e a terra se estiverem movendo,
—— dum veneris judicare sæculum per ignem. 
—— até que venhas julgar os séculos pelo fogo.

—— Coro:
—— Tremens factus sum ego, et timeo 
—— Ponho-me a tremer, e tenho medo,
—— dum discussio venerit, 
—— até que venha o abalo,
—— atque ventura ira. 
—— juntamente com a ira futura.
—— Dies illa, dies iræ
—— Naquele dia, dia de ira,
—— calamitatis et miseriæ
—— de calamidade e de miséria,
—— dies magna et amara valde. 
—— dia grande e por demais amaro.
—— Requiem æternam, dona eis, Domine, 
—— Dá-lhe o descanso eterno, Senhor,
—— et lux perpetua luceat eis. 
—— e que a luz perpétua o ilumine.

—— Libera me, Domine, de morte æterna, 
—— Livra-me, Senhor, da morte eterna,
—— in die illa tremenda 
—— naquele dia tremendo,
—— quando cœli movendi sunt et terra, 
—— quando os céus e a terra se estiverem movendo,
—— dum veneris judicare sæculum per ignem. 
—— até que venhas julgar os séculos pelo fogo.

—— Barítono e coro:
—— Libera me, Domine, de morte æterna, 
—— Livra-me, Senhor, da morte eterna,
—— Libera me, Domine. 
—— Livra-me, Senhor.


VII. In Paradisum: Andante moderato 
(No Paraíso: Confortavelmente, moderado) — cerca de 3 minutos e meio 
O Réquiem de Mozart era por demais atemorizado com a morte; o de Verdi, teatralizado; em cada um deles, Deus aparece punitivo com mais ou menos dramaticidade, mas sempre pronto a punir (o Dies Iræ final em Verdi é acachapante), mas Fauré escolheu as passagens que lhe eram mais afins e a elas deu mais ênfase. Trata o Sanctus com delicada serenidade, por exemplo. E escolhe terminar seu Réquiem com uma mensagem otimista, num coro que canta In Paradisum, texto que não costuma figurar em Réquiens, mas que traz a este o posto de mais belo de todos os Réquiens da história.

—— Coro:
—— In paradisum deducant te angeli, 
—— Que os anjos o levem ao Paraíso,
—— in tuo adventu suscipiant te martyres, 
—— E que à tua chegada os Mártires o recebam,
—— et perducant te in civitatem sanctam Jerusalem. 
—— e te levem à santa cidade, Jerusalém.
—— Chorus angelorum te suscipiat, 
—— Que um coro dos anjos o receba,
—— et cum Lazaro quondam paupere, 
—— E com Lázaro, o que fora pobre,
—— æternam habeas requiem. 
—— tenhas o descanso eterno.

Essa beleza foi criticada, ao que ele respondeu: — "Tem-se dito que meu Réquiem não expressa o medo da morte, e alguém chamou-lhe uma canção de ninar fúnebre. Mas é assim que eu vejo a morte: como uma libertação feliz, uma aspiração para a felicidade acima, e não como uma experiência dolorosa. Talvez eu também tento escapar instintivamente do que é habitual, depois de todos os anos de acompanhando serviços de sepultamento no órgão! Eu sei tudo de cor. Eu queria escrever algo diferente".

© RAFAEL FONSECA

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