(1806) BEETHOVEN Concerto para piano n. 4

Compositor: Ludwig van Beethoven
Catálogo: Opus 58
Composição: 1805 a 1806
Estréia: 22 de dezembro de 1808 — Theater an der Wien, Viena, solo de piano e regência do autor

Duração: cerca de 33 minutos
Efetivo: piano (solista); 1 flauta, 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpano, cordas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos e contra-baixos)   

Mozart foi o compositor-modelo para Beethoven, na escrita para piano e orquestra, até o Terceiro Concerto (de 1800); assim como Haydn havia sido seu modelo (e também de toda a Europa de então) para a composição das primeiras Sinfonias. Até aquela altura, Beethoven empreendia uma busca estética que envolvia alcançar a perfeição harmônica no diálogo entre o piano e a orquestra, coisa que Mozart havia conseguido com máxima beleza.

A criação do Concerto número 4 é contemporânea das Sinfonias 5 e 6. São obras nas quais Beethoven já não se prende mais às suas influências. Sua busca pelo novo caminho é toalmente original, plena, e a síntese de um novo modelo estético estava sendo forjada — por ele, e ninguém mais.

A estrutura de um Concerto para piano era simples, ditada pela graciosa forma mozartiana: Primeiro movimento que se inicia com introdução orquestral, entrada do piano replicando as frases da orquestra, diálogo entre eles com a liderança sendo disputada ora por um ora por outro e em seguida a repetição do tema principal e a conclusão; um segundo movimento lírico e cantabile, com uma passagem de sobressalto a surpreender na segunda metade; e o terceiro movimento sempre em Rondò, sistema cíclico — a palavra vem de Rondeau, redondo — onde o tema é apresentado, seguido de um contra-tema, e retorna 3 ou 4 vezes, sempre entremeado a um novo contra-tema ou tema derivado. Essa estrutura é sutilmente modificada por Beethoven no Quarto Concerto, porém as pequenas alterações tem grande efeito:

I. Allegro moderato (Rápido moderado) — cerca de 18 minutos
Ao contrário do esperado, da abertura orquestral, a primeira coisa que se ouve é o próprio piano. Pode parecer pouco, mas isso sugere uma plateia mais atenta do que aquela a qual Mozart estava acostumada (precisando sempre ser sacudida pelo acorde inicial, pela abertura da ópera ou pela introdução lenta à maneira de Haydn, para perceber o início da música). E, muito mais que isso, avisa: a obra “é” do piano, que dita desde o início o tema e a atmosfera do movimento. A próxima surpresa fica por conta da relação entre as forças. Se em Mozart e nos primeiros Concertos de Beethoven temos um diálogo dual, piano e orquestra se colocando como forças ora antagônicas, ora complementares, agora o discurso mostra uma unidade inovadora, o que aproxima o Concerto dos ideais sinfônicos: o piano está mais inserido que destacado da orquestra. Tudo transcorre pacificamente, sem certa aspereza encontrada no Concerto anterior, de número 3.

II. Andante con moto (Confortavelmente com movimento) — cerca de 6 minutos
O segundo movimento — que quis o Romantismo traduzi-lo como o retorno de Orfeo ao Hades, leitura que pode ser completamente divorciada de Beethoven — é, outra vez, inovador: denso, profundo, sem a leveza esperada nesse trecho. Poderia se dizer, aqui, que Beethoven resgata aquele dualismo mozartiano ao qual ele recusou no primeiro movimento: temos piano e cordas num jogo de pergunta e resposta, o piano vindo delicadamente questionador, enquanto as cordas da orquestra respondem com assustadora contundência. Uma curiosidade é que, nesse trecho, piano e orquestra quase não se encontram, dialogando como que à distância.

— attacca:
III. Rondò: Vivace (Sem interrupção, Cíclico: Vivaz) — cerca de 10 minutos
Um Rondò, conforme a tradição, mas enquanto os rondòs criados para os Concertos anteriores (números 1, 2 e 3) eram uma aproximação aos fascinantes rondòs de Mozart, esse é genialmente original, puro Beethoven. Ele se segue ao segundo movimento sem que haja interrupção, colocando o ouvinte numa espiral inventiva que, por vezes, se tem a impressão de que o pianista poderia estar realmente improvisando. Com ele, inaugura-se a era dos Concertos Românticos.

© RAFAEL FONSECA