(1937) SHOSTAKOVICH Sinfonia n. 5

Compositor: Dmitri Shostakovich
Número de catálogo: Opus 47
Data da composição: 1937
Estréia: 21 de novembro de 1937 - Bolshoy, Leningrado (hoje São Petersburgo) - Filarmônica de Leningrado, regência de Yevgeny Mravinsky

Duração: de 44 a 50 minutos
Efetivo: 1 flauta-piccolo, 2 flauta, 2 oboés, 3 clarinetas, 2 fagotes, 1 contra-fagote, 4 trompas, 3 trumpetes, 3 trombones, 1 tuba, tímpanos, triângulo, tarol, pratos, bumbo, gongo, glockenspiel, xilofone, celesta, 2 harpas, 1 piano e as cordas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos e contra-baixos)

Essa Sinfonia é bastante auto-biográfica: Shostakovich, um dos maiores sinfonistas que a Rússia produziu no século XX, escreveu esta obra, pode-se dizer, para salvar a própria pele.

Tudo começa em 1934: "Lady Macbeth do Distrito de Mtsensky", aquela que viria a ser a última ópera escrita por este compositor, estréia com grande sucesso, e assim segue por dois anos, fazendo inclusive sucesso mundo afora. Isso até 1936, quando o camarada Stalin assiste a uma apresentação encenada no Bolshoy, e sente-se extremamente desagradado das sonoridades pouco comuns e escandaliza-se com certas ousadias passadas no palco (algumas com forte conotação sexual). Um artigo publicado no Pravda, que certamente terá sido escrito pelo próprio Stalin — ou a seu pedido—, faz denúncia ao compositor por ter produzido "obra vulgar, formalista e neurótica", que ele assim se colocava distante dos ideais do Partido Comunista, ainda chamava a obra de "ruído ao invés de música", o que coloca o nome de Shostakovich em situação pouco favorável. Em risco, melhor dizendo, num momento em que os expurgos vinham ceifando artistas que se mostrassem contrários ao "bom-gosto" do regime. Hoje sabe-se que neste período o compositor dormia nas escadas que davam acesso a seu apartamento, pois caso a polícia secreta viesse levá-lo, não arriscaria sua família.

Ante ferrenha patrulha artística e temendo pela própria vida, Shostakovich escreve a sua Quinta Sinfonia com o claro intuito de agradar aos camaradas soviéticos. Como ele tinha consciência do gosto estético das autoridades, ávidos por uma arte heróica e permeada de folclore russo, escreveu esta Sinfonia em menor duração que as 4 anteriores e repleta de temas evocativos, além de, claro, "parecer" mais fácil aos ouvidos do "povo". Precisou oferecê-la como a "resposta criativa de um artista soviético ante críticas justas". Mas em suas Memórias, declarou: — "Eu acho que é claro para todos o que acontece na Quinta. A alegria é forçada, criada sob ameaça [...] você tem que ser um idiota completo para não ouvir isso!".

I. Moderato (Moderadamente) — cerca de 16 minutos
A obra se inicia com uma reflexão bem ao gosto russo, densa e dolorida. É como se o compositor informasse à burocracia estatal sua mudança de pensamento, sua rendição ao estilo beethoveniano. Mas mesmo que o heroísmo esteja no ar, sentimos sua melancolia imersa por trás das frases musicais, e até mesmo sua depressão ante a imposição dirigista dos comandantes comunistas. Embora tal conflito seja parte da gestação dessa obra, o que temos em cena é criação de um dos maiores sinfonistas do século XX — senão o maior — e seu uso do material temático é genial, sem abusar da orquestra logo de início, dosando-a e acrescentando forças durante o desenrolar do movimento. Um momento de virada, perto da metade do movimento, surpreende o ouvinte com o uso de um piano para marcar a marcha em direção a um ápice de gosto militar com forte uso da percussão. Um posterior episódio, desvendado em doce melodia na flauta, conduz ao re-encontro com a atmosfera sombria do início, e o movimento irá terminar calmamente nas notas singelas do glockenspiel.

II. Allegretto (Quase rápido) — cerca de 5 minutos
É um Scherzo cheio de alegrias duvidosas, meio desconcertante pela junção de uma ironia quase infantil ao evoluir marcial e militar. Um solo de violino — que lembra Mahler — é seguido de repetição na flauta e tudo cheira vulgar e grotesco. Mas o movimento é curto o suficiente para não dar espaço à possível contestação dos ilustres camaradas, e acaba sendo uma sátira da "facilidade" exigida para que a obra fosse acessível ao povo.

III. Largo (Bem devagar) — de 12 a 16 minutos
Um dos momentos mais inspirados de toda a obra do compositor, o movimento lento começa nas cordas de forma meditativa, e é testemunho sincero da consternação do autor ao saber da execução de um de seus professores. Ganha tom elegíaco no centro do movimento e faz lembrar um coral religioso até dar espaço a uma frase apreensiva do oboé. A clarineta responde, sem esperanças. Conta-se que a platéia da noite de estréia foi às lágrimas com a angústia desse movimento. Um clímax desesperado tendo o xilofone percutido brutalmente é seguido pela candente frase dos violoncelos, retrato de todas as emoções que tomavam de assalto a alma do compositor. A música deste movimento vai se dissolvendo nas cordas, e as harpas pontuam resignadas essa finalização, mas é o piano que dará ao movimento a conclusão.

IV. Allegro non troppo (Rápido mas não muito) — de 9 a 12 minutos
O vitorioso "finale", um misto de marcha militar com frenesi heróico, é um desconexo "momento de exaltação", cuja artificialidade é palpável: sem dúvida nenhuma a denúncia do próprio Shostakovich de que viver naquela realidade era a obrigação de forjar um orgulho inexistente. A aspereza melódica é evidente, e todas as emoções abordadas nos movimentos anteriores são re-visitadas. Uma porção central desse movimento relembra o Largo anterior, meditativa e em busca de saídas. O tímpano marca novamente a batida marcial e somos levados a um crescendo cada vez mais monumental e, na mesma medida, cada vez mais artificial em sua certeza. Aqui está presente toda a insatisfação do autor com a própria condição de artista aprisionado. Nos momentos finais, a fanfarra chama majestosa, as cordas insistem num grito quase histérico, repetindo sempre a mesma idéia, e tímpanos, bumbo e pratos encerram a obra como quem busca o ápice mais elevado, mas a impressão não é outra, senão falsa. Uma conclusão magistral, ainda que desconcertante.

Essa conclusão da obra é de tal ordem perturbadora que cada intérprete a leva de um jeito diferente. Mravinsky, regente da estréia que desfrutava da intimidade do compositor e sofria a mesma sorte de pressões, o conduz monumental e leva à conclusão arrastando-a, dolorida e tensa. Já o violoncelista Mstislav Rostropovich, amigo do autor que também atuava como regente, imprime a este finale uma certa urgência, porém sua conclusão é ainda mais ralentada, deixando ainda mais exposta a falsidade da alegria triunfante. A obra encontrou em Leonard Bernstein o mais genial intérprete, e ele conferia imensa vibração ao movimento, e colocava até mesmo certa violência; na conclusão, ele não perde a pulsação, sendo mais rápido e com isso conferindo maior grandeza aos sufocantes baques do tímpano e do bumbo que colocam o ponto final no discurso sinfônico.

É certo que o artifício funcionou e a Sinfonia com suas concessões foi instantaneamente muito bem aceita. Na noite de estréia, após o nascimento da obra pelas mãos do lendário regente Yevgeny Mravinsky, no Salão Filarmônico do Teatro Bolshoy, Shostakovich foi aplaudido de pé, numa ovação que durou 40 minutos.

© RAFAEL FONSECA