(1900) MAHLER Sinfonia n. 4




Compositor: Gustav Mahler
Número de catálogo: MW 4
Data da composição: 1892 (a Canção); de julho de 1899 a agosto de 1900
Estréia: 25 de novembro de 1901 — em Munique, Mahler regendo a Kaim Orchester (hoje a Fil. de Munique) com a soprano Margarete Michalek

Duração: cerca de 1 hora
Efetivo: 1 soprano solista (no finale);
Efetivo: 2 flautas-piccolo, 4 flautas, 3 oboés, 1 corne-inglês, 3 clarinetas, 1 clarineta-baixo, 3 fagotes, 1 contra-fagote, 4 trompas, 3 trompetes, tímpanos, guizos, pratos, triângulo, gongo, bumbo, glockenspiel, harpa, as cordas (primeiros- e segundos violinos, violas, violoncelos e contra-baixos)

Mahler era fascinado pela coletânea de canções folclóricas germânicas "Des Knaben Wunderhorn: Alte deutsche Lieder" (A Trompa Maravilhosa do Menino: Antigas Canções Germânicas) reunidas por Achim von Arnim e Clemens Brentano, cuja primeira publicação se deu em 1805. Compôs inúmeras delas entre 1892 e 1901. Dentre estas, "Das himmlische Leben" (A Vida Celestial), uma visão infantil do céu paradisíaco.

Em suas três primeiras Sinfonias, Mahler desenhou a trajetória de um herói épico que nasce para o mundo injusto na Primeira (1888), confronta-se com a realidade da morte na Segunda (1894) e reflete sobre seu papel no mundo na Terceira (1896). Nessa última, a Terceira, ele chegou a planejar a inserção da Canção citada acima, mas por coincidências de temática (sobretudo no quinto movimento, que também faz uso de uma das canções da coletânea), acabou por guardando a Vida Celestial para servir-lhe de força motriz para a composição desta Quarta.

Então sabemos que Mahler parte da Canção para compor a Sinfonia, e que três movimentos sinfônicos servirão de prelúdio a esta quase-desconcertante finalização de uma obra deste porte. Se Mahler fora tão seriamente dramático nas três obras precedentes, aqui é como se, depois de abordadas as questões da infância tratadas com tanta auto-piedade, ele montasse seu teatrinho de marionetes e divertisse a platéia com uma visão jocosa, leve e irônica do mundo... do outro mundo!

I. Bedächtig, nicht eilen
(Prudentemente, sem acelerar) — cerca de 18 minutos
A orquestra começa como um realejo meio emperrado e... guizos? Sim, guizos. E você não está num anúncio da Coca-Cola de Natal. Nada mais desconcertante, nada mais inesperado. As cordas começam a desenhar a primeira melodia: poderia ser Haydn, ou Mozart. Ou mesmo Schubert, mas totalmente desprovido de sua peculiar melancolia. Uma valsinha? O andamento não é de valsa, mas remete a uma valsa, e o regente Willem Mengelberg, amigo de Mahler, em Amsterdam pedia aos músicos da Concertgebouw que "Por favor, toquem como se estivéssemos começando uma valsa, mas em Viena!". A orquestra, muito mais leve que em qualquer outra Sinfonia do autor — prescinde de trombones ou tuba e é bem reduzida numericamente — conduz esse cenário naïve de uma harmonia infantil e graciosa. Um detalhe curioso a ser notado, e Mahler sempre tem dessas surpresas: nos episódios contrastantes, uns poucos momentos de apreensão nessa partitura tão leve, um chamado de trompete causa espanto a quem já conhece melhor a obra do mestre, pois é exatamente o chamado que inicia a Marcha Fúnebre, o início da Quinta Sinfonia! É como se nesse cenário infantil de reflexões vertiginosas a semente da próxima Sinfonia fosse plantada! É Mahler ligando uma obra à outra, antecipando-se, e criando até a ideia que muitos defendem do caráter premonitório de sua obra.

II. In gemächlicher Bewegung, ohne Hast
(Relaxadamente movimentado, sem pressa) — cerca de 9 minutos
"A morte rege o baile", disse o próprio Mahler a respeito do início desse segundo movimento, cujo ar macabro — ainda que, no todo, mantenha-se a atmosfera jocosa da Sinfonia — é conferido pelo violino  do spalla afinado um tom mais alto, criando a sensação de deslocamento. Logo temos de volta a visão infantil do Paraíso. Mahler cria efeitos magistrais, e é tocante o momento, no meio do movimento, no qual a música se ilumina, pintando um facho solar na penumbra, a luz no fim do túnel. Esse movimento faz as vezes de Scherzo, e traz inúmeras sonoridades que remetem ao grotesco, numa dança desajeitada.

III. Ruhevoll, poco adagio
(Tranquilamente, como que com calma) — cerca de 22 minutos
Sinfonicamente, esse é o ápice dessa Sinfonia, embora dramaticamente tudo se resolva na Canção do movimento seguinte. Mas é aqui que o autor atinge o cume da montanha. Que beleza dilacerante! Que extraordinária retórica musical, num discurso que nos envolve tão maravilhosamente. É nesse Adagio, o movimento lento da obra, que descobrimos que os movimentos precedentes não eram senão máscaras para a legítima dor da existência desse autor tão visceral. Inicia-se como uma Canção de ninar, com generosas frases aos violoncelos, em caudalosa melodia. Nas seções centrais, episódios contrastantes que resgatam a ironia e o esgar presentes nos movimentos anteriores. Mas no todo, um idílio de uma alma rumo ao encontro de si mesma, da busca de todos nós por respostas impossíveis, dúvidas latentes que levaremos todos ao túmulo, mas que Mahler magistralmente resolverá com a Canção-finale do quarto e último movimento.

IV. Sehr behaglich: Lied "Das himmlische Leben"
(Muito confortavelmente: Canção "A Vida Celestial") — cerca de 10 minutos
Ainda hoje, passado mais de um século da estreia dessa obra, algumas plateias se ressentem desse desconcertante final, se levarmos em consideração que a obra não termina grande (o ápice, vale lembrar, acabara de acontecer no terço final do movimento anterior), mas termina calma, quase num anti-clímax. Aqui, finalmente entra em cena a Canção que gerou a Sinfonia como um todo. Uma criança — e Mahler pede uma cantora que tenha "uma expressão de alegria infantil", e alguns maestros optam até mesmo por colocar um menino-soprano — nos desvenda a visão do Paraíso, o banquete celestial e a "música sem igual". Vamos ao texto:

© RAFAEL FONSECA 




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