(1885) BRAHMS Sinfonia n. 4

Compositor: Johannes Brahms
Número de catálogo: Opus 98
Data da composição: 1884/5
Estréia: 25 de outubro de 1885 — em Meiningen, regência do próprio Brahms

Duração: cerca de 40 minutos
Efetivo: 2 flautas (uma alternando com flauta-piccolo), 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes, 4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, triângulo, tímpano e as cordas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos e contra-baixos)

A Quarta de Brahms, criada em 1885, é o ápice da da forma das Sinfonias na segunda metade do século XIX, e não é por acaso que ela se avizinha a dois outros gigantes monolíticos: a Sétima de Bruckner, de 1883, e a Quinta de Tchaikowsky, de 1888. Logo a seguir, Mahler, em 1888, criaria sua Primeira, e a partir daqui a Sinfonia estaria buscando novos caminhos.

Nela percebemos algumas dualidades. A primeira com relação à forma: é Clássica no sentido da estrutura, orquestração e duração, mas inovadora em muitos aspectos, principalmente no uso de um expediente antigo — a Passacalha, falemos disso adiante — como finale. Há também uma dualidade estética: rica em beleza externa, pode ser facilmente gostada pelo ouvinte neófito e não tão versado (é mais acessível que Bruckner, embora nem tão sedutor quanto Tchaikowsky), mas suas sutilezas interiores e engenhosa complexidade são atraentes ao mais exigente dos conhecedores. Brahms entristeceu-se ao saber que seu amigos não aprovavam a obra como um todo, uns chegaram a sugerir que apenas a Passacalha-finale deveria ser publicada à parte. Depois, surpreendeu-se com a imediata aceitação pública da obra, tendo porém como único obstáculo à compreensão das platéias justamente o movimento final.

Depois de pagar o tributo a Beethoven na Primeira Sinfonia (dez anos antes dessa), buscar a leveza mozartiana em sua Segunda (8 anos antes), e superar o mestre e professor Schumann na fluidez das frases, encontrando um discurso tão único e próprio na Terceira (apenas um ano antes dessa), Brahms é, aqui, o mais fiel e original possível, e seu interesse pelas formas antigas não é, senão, nada mais que um componente de sua realidade e interesse, muito além do pastiche ou citação.

I. Allegro non troppo 
(Rápido mas nem tanto) — cerca de 12 minutos
As cordas abrem, sem muita cerimônia, os trabalhos. O que parece, a princípio, uma deliciosa valsa, vai se transformando num bem amarrado jogo de variações. Há chamados heróicos, à moda de Beethoven, elegantes frases melódicas que poderiam ser eco do melhor estilo de Haydn. Ao mesmo tempo, a engrenagem que expõe, mistura e coordena a instrumentação é herança do melhor em Bach, no ápice da polifonia Barroca. Mas de pouco adianta, somente, tentar "ver" as influências na escrita de Brahms, uma vez que isso tudo é, amalgamado, o seu discurso legítimo, por excelência.

II. Andante moderato 
(Passo de caminhada moderado) — cerca de 11 minutos
Um chamado antiquado da fanfarra, barulhento, serve para concentrar a atenção do ouvinte à seguinte e belíssima frase lírica e meditativa, levada a princípio pelos sopros tendo as cordas em pizzicato a sustentar sua melodia. Logo outra frase, mais arrebatadora, extasiante, é ouvida na voz dos violinos. Uma reflexão, conduzida pelos violoncelos e respondida pelos violinos, reforçando a atmosfera de enternecimento. Na parte central, num episódio tipicamente de Brahms, tudo concorre para uma agitação que culmina num breve instante marcial, logo apaziguado pela volta da frase meditativa dos violoncelos. O movimento termina relembrando a fanfarra que o iniciou, mas dissolve-se em paz.

III. Allegro giocoso — Poco meno presto — Tempo I 
(Rápido e jocoso — Um pouco menos rápido — Volta ao tempo inicial) — cerca de 6 minutos
Explosivo, furioso, brincalhão — o que confere ao movimento a cara de um Scherzo, embora não o seja na estrutura — e surpreendente num compositor que, normalmente, é percebido como sisudo. Em alguns momentos, remete ao Minuetto das Sinfonias Clássicas. Esse era, na época do compositor, o movimento que sempre precisava ser bisado, tal efeito tinha sobre as audiências.

IV. Allegro energico e passionato — Più allegro 
(Rápido, enérgico a apaixonado — Ainda mais rápido) — cerca de 9 minutos
Após o clímax exuberante do movimento precedente, Brahms nos oferece algo surpreendente, totalmente inusitado, uma jóia saída de sua ouvivesaria sinfônica. Fazendo uso de um tema de Bach — mais precisamente, da Cantata BWV 150 — ele constrói uma gigantesca Passacalha. O termo, oriundo do castelhano Passa Calle (andar na rua, simplifiquemos), significa, tecnicamente, um ciclo de variações apoiadas sobre um motivo nos baixos (instrumentos graves). Fique com esta figura: o motivo dos baixos (a Calle, o caminho) é o mesmo e o que muda é a paisagem, as vistas (as variações). Mas as Passacalhas eram comuns no Barroco antigo, e Brahms já está distante um século e meio do uso desse expediente. O que temos é uma monumental Passacalha sinfônica, com inúmeros instrumentos que sequer eram usados ou existiam na época, afora a lente pela qual o compositor a filtra. Visto com mais distância, as temáticas vão passeando pela orquestra, em inusitadas combinações instrumentais, ora de naipes, ora de instrumentos isolados. A atmosfera musical muda constantemente (passa calle...) e provoca um efeito único. Se por um lado poderia ser um anti-clímax, pois é cadenciado, algo solene, carecendo da ebulição própria dos finales (sobretudo após o enfático terceiro movimento), por outro é tão engenhoso, tão sólido, e sinfonicamente tão rico que ao ser pego de surpresa com o abrupto recolher do som no final, o ouvinte descobre-se irremediavelmente arrebatado.

© RAFAEL FONSECA

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