(1723) VIVALDI As Quatro Estações

Il cimento dell'armonia e dell'inventione
Le quattro stagioni: La primavera
Le quattro stagioni: L'estate
Le quattro stagioni: L'autunno
Le quattro stagioni: L'inverno
(4 Concertos; Parte da Coletânea de 12 Concertos intitulada "O Embate entre a harmonia e a invenção")

Compositor: Antonio Vivaldi
Número de catálogo: Opus 8 ns. 1, 2, 3 e 4 / P 241, 336, 257 e 442 / F I 22, 23, 24 e 25 / RC 76, 77, 78 e 79 / RV 269, 315, 293 e 297
Data da composição: 1723
Estréia: ?

Duração: entre 36 e 44 minutos
Efetivo: 1 violino solista; cordas (primeiros-violinos, segundos-violinos, violas, violoncelos, contra-baixos) e baixo-contínuo (geralmente, 1 cravo)

Não há obra mais popular, no repertório da Música Clássica, que esta coletânea de quatro concertos para violino que juntas, como ciclo, tem o nome de As Quatro Estações. E a fama é justa, já que nenhum outro compositor barroco conseguiu engendrar obra mais criativa, impactante ou genial. Tudo n'As Quatro Estações encanta: seja a centelha enérgica de cada movimento, a beleza melódica, ou o mimetismo sonoro com uma natureza e uma vida campestre muito desejada.

O intuito de Vivaldi era mesmo fazer música descritiva, quase um século antes da Pastoral de Beethoven. Cada Concerto descreve uma Estação, sempre no esquema tradicional vivo-lento-vivo, e para não deixar dúvidas de as sonoridades querem ser a bisavó da trilha-sonora cinematográfica — quando na Primavera, por exemplo, o violino emula o pastor adormecido e a viola imita o cão que late ao longe; ou quando no Inverno o ritmo nos remete à dificuldade de quem anda na neve ou o pizzicato nos trazendo o som das gotas de chuva nos telhados — o compositor juntou à partitura Sonetos (que bem podem ser de sua própria autoria) que descrevem cada movimento:

La primavera: I. Allegro (Rápido)
Giunt' è la Primavera e festosetti
La Salutan gl' Augei con lieto canto,
E i fonti allo Spirar de' Zeffiretti
Con dolce mormorio Scorrono intanto:
Vengon' coprendo l'aer di nero amanto
E Lampi, e tuoni ad annuntiarla eletti
Indi tacendo questi, gl' Augelletti
Tornan di nuovo al lor canoro incanto:

Chegada é a Primavera e festejando
A saúdam as aves com alegre canto,
E as fontes ao expirar do Zeferino
Correm com doce murmúrio.
Uma tempestade cobre o ar com negro manto
Relâmpagos e trovões são eleitos a anunciá-la;
Logo que ela se cala, as avezinhas
Tornam de novo ao canoro encanto.

II. Largo (Arrastado)
E quindi sul fiorito ameno prato
Al caro mormorio di fronde e piante
Dorme 'l Caprar col fido can' à lato.

Diante disso, sobre o florido e ameno prado,
Ao agradável murmúrio das folhas
Dorme o pastor com o cão fiel ao lado.

III. Allegro (Rápido)
Di pastoral Zampogna al suon festante
Danzan Ninfe e Pastor nel tetto amato
Di primavera all' apparir brillante.

Da pastoral Zampónia ao Suon festejante
Dançam ninfas e pastores sob o abrigo amado
Da primavera, cuja aparência é brilhante.

L'estate: I. Allegro non molto (Rápido, mas não muito)
Sotto dura stagion dal sole accesa
Langue l’huom, langue ‘l gregge, ed arde ‘l pino,
Scioglie il cucco la voce, e tosto intesa
Canta la tortorella e ‘l gardellino.
Zeffiro dolce spira, ma contesa
Muove Borea improvviso al suo vicino;
E piange il Pastorel, perché sospesa
Teme fiera borasca, e ‘l suo destino;

Sob a dura estação, pelo Sol incendiada,
Lânguidos homem e rebanho, arde o Pino;
Liberta o cuco a voz firme e intensa,
Canta a corruíra e o pintassilgo.
O Zéfiro doce expira, mas uma disputa
É improvisada por Borea com seus vizinhos;
E lamenta o pastor, porque suspeita,
Teme feroz borrasca: é seu destino [enfrentá-la].

II. Adagio (Com calma)
Toglie alle membra lasse il suo riposo
Il timore de’ lampi, e tuoni fieri
E de mosche, e mosconi il stuol furioso:

Toma dos membros lassos o repouso
O temor dos relâmpagos e os feros trovões;
E de repente inicia-se o tumulto furioso!

III. Presto (Correndo)
Ah che pur troppo i suoi timor sono veri
Tuona e fulmina il cielo grandinoso
Tronca il capo alle spiche e a’ grani alteri.

Ah! No mais o seu temor foi verdadeiro:
Troa e fulmina o céu, e grandioso [o vendaval]
Ora quebra as espigas, ora desperdiça os grãos [de trigo].

L'autunno: I. Allegro (Rápido)
Celebra il Vilanel con balli e Canti
Del felice raccolto il bel piacere
E del liquor di Bacco accesi tanti
Finiscono col Sonno il lor godere

Celebra o aldeão com danças e cantos
O grande prazer de uma feliz colheita;
Mas um tanto aceso pelo licor de Baco
Encerra com o sono estes divertimentos.

II. Adagio molto (Com muita calma)
Fa' ch' ogn' uno tralasci e balli e canti
L' aria che temperata dà piacere,
E la Staggion ch' invita tanti e tanti
D' un dolcissimo sonno al bel godere.

Faz a todos interromper danças e cantos,

O clima temperado é aprazível;
E a estação convida a uns e outros
Ao gozar de um dulcíssimo sono.
 
III. Allegro (Rápido)
I cacciator alla nov'alba à caccia
Con corni, Schioppi, e cani escono fuore
Fugge la belva, e Seguono la traccia;
Già Sbigottita, e lassa al gran rumore
De' Schioppi e cani, ferita minaccia

Languida di fuggir, mà oppressa muore.
  
O caçador, na nova manhã, à caça,
Com trompas, espingardas e cães, irrompe;
Foge a besta, mas seguem-lhe o rastro.
Já exausta e apavorada com o grande rumor,
Por tiros e mordidas ferida, ameaça
Uma frágil fuga, mas cai e morre oprimida!

L'inverno: I. Allegro non molto (Rápido, não muito)
Agghiacciato tremar tra nevi algenti
Al Severo Spirar d' orrido Vento,
Correr battendo i piedi ogni momento;
E pel Soverchio gel batter i denti;

Agitado tremor traz a neve argêntea;
Ao rigoroso expirar do severo vento
Corre-se batendo os pés a todo momento
Bate-se os dentes pelo excessivo frio.

II. Largo (Arrastado)
Passar al foco i dì quieti e contenti
Mentre la pioggia fuor bagna ben cento

Ficar ao fogo quieto e contente
Enquanto fora a chuva a tudo banha;

III. Allegro (Rápido)
Caminar Sopra il ghiaccio, e a passo lento
Per timor di cader girsene intenti;
Gir forte Sdruzziolar, cader a terra
Di nuovo ir Sopra 'l giaccio e correr forte
Sin ch' il giaccio si rompe, e si disserra;
Sentir uscir dalle ferrate porte
Scirocco, Borea, e tutti i Venti in guerra
Quest' è 'l verno, ma tal, che gioja apporte.

Caminhar sobre o gelo com passo lento

Pelo temor de cair neste intento.
Girar forte e escorregar e cair à terra;
De novo ir sobre o gelo e correr com vigor
Sem que ele se rompa ou quebre.
Sentir ao sair pela ferrada porta,
Siroco, Borea e todos os ventos em guerra;
Que este é o Inverno, mas tal, que [só] alegria porta.

Da obra, a Primavera foi o Concerto a conhecer maior celebridade na época, sendo programada várias vezes nos Concerts Spirituels de Paris de 1728; em 1730 o Rei Luís XV pediu para ouví-la; e Corrette e Russeau fizeram adaptações dela. Mas depois, As Estações teriam que suportar o silêncio de quase dois séculos recaído sobre a música de Vivaldi, que somente teria um revival nos anos 1930, quando, injustamente, Stravinsky cunhou a mal-humorada frase de que Vivaldi havia composto "400 vezes o mesmo Concerto", argumento nulo diante da inesgotável criatividade do "Padre Vermelho".

Em 2012 o compositor Max Richter criou uma obra genial desconstruindo e re-compondo As Quatro Estações: Vivaldi recomposed.
  
© RAFAEL FONSECA