Entrevista: LAURO GOMES, produtor musical

Lauro Gomes em seu programa "Sala de Concerto" com o violoncelista Antonio Meneses

Lauro Gomes em seu programa “Sala de Concerto” com o violoncelista Antonio Meneses

   

A Rádio MEC vai acabar?


Pelo jeito, não. Ou: por enquanto, não. Mas uma era está sendo abruptamente interrompida. Um ícone da Rádio, o produtor Lauro Gomes, despediu-se de seu público fiel no programa “Sala de Concerto” e se disse demitido. A direção da Rádio desmente e diz que ofereceu aos produtores a oportunidade de continuarem como Pessoa Jurídica. Mas não era o PT que demonizava a terceirização neo-liberal? Pois é… Quem entra na página da EBC — a nova dona do pedaço — dá de cara com notícias de futebol. E notícias, como se não existisse a Globo ou a Bandeirantes… Enquanto isso, a Música Clássica, que tem forte subvenção estatal em todas as civilizações mais adiantadas, é ignorada. Conversei com o Lauro sobre o assunto:
RF Lauro, boa tarde. Existe uma argumentação por parte da EBC de que não foram demissões, e que um contrato de Pessoa Jurídica foi oferecido para que você continuasse no ar. É isso mesmo?
LAURO GOMES Claro que houve demissões. Fui chamado para continuar e não aceitei a proposta deles. Pediram-me uma contraproposta e eles aceitaram. Nós, os escolhidos, tivemos que abrir uma firma “Arte e Voz”, da turma da FM. Na hora do contrato nos chantagearam: Se assinássemos nossa demissão voluntária, numa ação casada, teríamos o nosso contrato assinado. Não pedi demissão abrindo mãos de 15 anos de direitos trabalhistas em troca de um contrato de um ano de duração. Foi uma coação vergonhosa e imoral.

RF Eu me lembro, no tempo que trabalhei na rádio, que havia certo preconceito com a Música Clássica e se ouvia nos corredores que o desejo do pessoal era transformar a MEC numa rádio de jornalismo… Você acha que estão orquestrando um fim da programação clássica?
LG Acho que isto será impossível porque a classe artística está em guarda. O clamor seria geral. O que deverá acontecer é que a rádio passará a ser um vitrolão com clássicos, com raríssimos programas autorais.

RF E a questão do acervo? Eu me recordo muito bem que você era uma das únicas pessoas que sabia exatamente o que existe armazenado ali, coisas importantes do [Maestro] Alceo Bocchino, gravações com a Sinfônica Nacional (quando a orquestra ainda era da Rádio) [a orquestra, criada por Juscelino em 1961, foi integrada à estrutura da UFF em 1984], registros de música brasileira. Li que o arquivo está abandonado. Há um cuidado com esse patrimônio?
LG O nosso acervo, com gravações raríssimas e únicas, está abandonado no velho prédio condenado, entregue aos ratos e baratas. Vou te enviar o jornal da Soarmec que que você veja o real estado do nosso patrimônio.
[A edição de outubro de 2013 do jornal da SOARMEC — Sociedade dos Amigos da Rádio MEC — mostra imagens chocantes do prédio da Praça da República, abandonado em março último. Lá padecem, sem climatização adequada, um acervo que vem dos tempos de Roquette-Pinto.]

RF Eu vi. Daí ter ficado tão preocupado. Você, de certa forma, é um grande patrimônio da MEC, pelo conhecimento e pela promoção que dava aos musicistas no único canal de música erudita do Rio. Esse descaso é visto por muita gente como um desleixo por parte do PT que veria o mundo da Música Clássica como coisa elitista. E nas gestões anteriores?
LG Nem na ditadura militar e nem nos governos do Sarney e do Collor, tivemos situações iguais. Sempre nos respeitaram e nunca fizeram demissão forçadas. O PT desrespeita as leis trabalhistas e acha que a nossa música, educação e cultura são coisas para as “elites”.

RF É estranho o governo de um partido “trabalhista” queira terceirizar a produção de sua principal Rádio… Você vê alguma coisa nisso?
LG É a máfia do poder. Eles precisam iludir os pobres dando-lhes esmolas. Cultura não dá votos.

RF A criação da ACERP [Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, criada em 1998, substituiu a Fundação Roquette-Pinto] pelo Governo FH está sendo apontada como a raiz desse imbróglio todo… você concorda?
LG A ACERP foi criada datada para ter uma sobrevida de 10 anos. Ela teria que se manter sem auxílio do governo, arranjando patrocínios. Nada foi conseguido e agora o PT, substitui a ACERP pela EBC [Empresa Brasil de Comunicação]É um novo clube de cupinchas.

RF Você acha que a situação da Rádio tem solução? Dizem que a Presidente gosta de música…
LG Dizem, mas ela não se manifesta. A Rádio tem solução e bem barata. A EBC tem centenas de chefias e comandos. É só despachar esta gente e contratar gente especializada.

RF Lauro, quando trabalhei na rádio, entre 2005 e 2006, conheci de perto e admirei ainda mais o trabalho de gente como você, o Servio Tulio, o Weber Duarte… Mas havia, evidentemente, um clima de cabide-de-empregos e gente absolutamente despreparada, ou sem nenhuma intimidade com o assunto, em funções importantes, até de produção musical. Uma mudança era necessária, e já me disseram que esse processo seria para “limpar” os quadros. Isso faz sentido?
LG Mas é o contrário. Ficaram os desqualificados. Não existem mais produtores de música de concerto da Rádio.

RF Pela grita que houve, parece que a rádio continua no ar, um vitrolão como você disse. Enquanto isso, em São Paulo [na Rádio Cultura, que é Estadual], se faz uma programação de qualidade e investe-se em novos programas autorais. Assim fica parecendo, nesse clima maniqueísta da nossa política, que lá é bom porque é PSDB. Você testemunhou o período do governo Fernando Henrique — como foi a gestão da Rádio nessa época?
LG O grande problema da era FH é que foi o começo do desmancho da emissora. O filho dele [Paulo Henrique Cardoso] foi diretor da Rádio e só fez besteira, prestigiando a música de má qualidade, promovendo funk e pagodes.

RF Tem uma proposta para levar a Rádio de volta ao Ministério da Educação, tem outra para torná-la estadual ou municipal. Você vê isso com bons olhos? Eu saí da MEC para colaborar com o Artur da Távola na Rádio Roquette-Pinto FM [do Governo do Estado] e bastou ele morrer para a Rádio virar mais uma entre as outras… A Música Clássica tem mesmo espaço?
LG Ela tem espaço em todo país civilizado do mundo. A Rádio MEC teve duas Orquestras, um Quarteto de Cordas, um Quarteto vocal, um Trio, um Coro, vários duos e solistas. Era igual a BBC de Londres, a RAI na Itália, Deustch Welle, Radiodifusão Francesa, etc, etc.

RF Eu concordo com você, mas parece que essa não é a visão de nossos governantes…
LG Onde serão tocados Villa-Lobos, Mignone, Guarnieri, Edino Kriger, Padre José Maurício, Carlos Gomes, Guerra-Peixe e mais de milhares de bons compositores e músicos brasileiros? Na BBC, de Londres? Talvez um Villa-Lobos e um Nelson Freire, de dois em dois meses.

RF Com a situação atual do acervo, o que estamos correndo risco de perder para sempre? Houve digitalização das coisas mais importantes? Alguma coisa foi preservada ou largaram tudo lá abandonado?
LG Só o que eu salvei em 54 CDs, dos quais só foram editados 17.

RF Então o resto, pelo jeito, corre sério risco. Você acha que com esse abaixo-assinado a favor da Rádio a postura da direção vai mudar? Acha que alguma coisa volta atrás?
LG Acho muito difícil. A mobilização cultural não comove o povo.

RF Você reconsideraria e tem vontade de voltar a fazer seu programa?
LG Os meus programas estão ainda no ar e são três: “Música e Músicos do Brasil”, “Sala de Concerto” e o ciclo “Carlos Gomes, o compositor brasileiro”. Os “Sala de Concerto” estão sendo reprisados, depois das minhas despedidas. Os outros, deixei prontos até fevereiro. Claro que gostaria de continuar trabalhando pela nossa cultura e nossa música, mas com a EBC, será praticamente impossível.

RF Lauro, muito obrigado. Não só por esta conversa, mas pelo papel fundamental que você desempenhou na nossa cultura. Se tiver algo mais que você queira dizer, fique à vontade.
LG Gostaria de agradecer aos nossos ouvintes, ao público e aos nossos notáveis artistas que sempre participaram dos meus programas. Muito obrigado a todos. Um grande abraço para você.

© RAFAEL FONSECA — 3 de novembro de 2013