(1888) TCHAIKOWSKY Sinfonia n. 5

Compositor: Piotr Ilyich Tchaikowsky
Número de catálogo: Opus 64 / ČW 26
Data da composição: maio a agosto de 1888
Estréia: 5 de novembro de 1888 em São Petersburgo, regência do autor

Duração: cerca de 46 minutos
Efetivo: 3 flautas (uma alternando com flauta-piccolo), 2 oboés, 2 clarinetas, 2 fagotes
4 trompas, 2 trompetes, 3 trombones, 1 tuba, tímpanos, as cordas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos, contra-baixos)

Assim como na Quarta Sinfonia, Tchaikowsky coloca o destino como protagonista da obra, utilizando um tema que permeia toda a Sinfonia. Mas, ao contrário daquela obra escrita 11 anos antes, agora Tchaikowsky parece lidar melhor com as imposições da vida, fazendo uma transição ao longo dos 4 movimentos da música, e o que é denso e difícil na introdução apresentar-se-á como canto de vitória no finale.

Houve o intuito, a princípio, de manter um programa, um apanhado de informações que dariam sentido à obra — tão ao gosto Romântico, aliás — mas este hoje é quase desconhecido. O que temos, através do registro feito nas cartas do autor à sua patronesse, Mme. Von Meck. São estes comentários que usarei a seguir para discorrer sobre a obra:

I. Andante — Allegro con anima (Passo de caminhada — Rápido e agitado) — cerca de 15 minutos
Um tema lúgubre e escuro é entoado pelas clarinetas, para o qual Tchaikowsky explicou à Mme. von Meck ser o "Prelúdio, total submissão ao destino". Este tema é o que vai percorrer toda a obra, gerando as melodias a cada movimento. Logo a música entra no Allegro, clarineta e fagote, depois flautas e logo tomada pelos violinos, marcando uma marcha-valsa hesitante, a qual o autor descreve como "Allegro, queixas, dúvidas, lamentações, censuras". A facilidade melódica, o lirismo exacerbado e a beleza da sonoridade em si foram, por anos, argumento para desfazer da obra e de seu compositor, como se a música fosse de baixa qualidade e o seu autor um embusteiro que se aproveita de efeitos fáceis para cativar platéias. Theodor Adorno, crítico importante da primeira metade do século XX, classificava o tema desse primeiro movimento como "cafona" e o desenvolvimento dramático da obra como "folhetim barato". Tal injustiça — ainda hoje repetida por uma leva de ressentidos — é injustificável, ante a excepcional qualidade sinfônica da obra, e hoje podemos, perfeitamente, compreender os excessos de Tchaikowsky como a tradução da alma russa.

II. Andante cantabile con alcuna licenza (Passo de caminhada, com alguma liberdade) — cerca de 13 minutos
Sobre o segundo movimento, escreve Tchaikowsky: "Devo, então, me atirar nos braços da fé?". ESta frase é a chave para se compreender a beleza dilacerada do tema (derivado daquele inicial) que 're mostrado primeiro pela trompa — sonoridade que resulta em imensa melancolia — e depos pelas cordas, para nesta repetição aparecer a dúvida, o questionamento, as angústias que ainda povoavam o coração e a mente desse homem torturado pelas imposições sociais de sua época, em confronto a seus impulsos sensuais. No centro do movimento, uma melodia surge na clarineta, parecendo buscar a luz nesse cenário desolado; as cordas lhe tomam o discurso, e logo a fanfarra, impositiva e cruel, interromperá o discurso para lembrar que o destino — tal e qual ele se apresentou no começo da Sinfonia — é o senhor de tudo. Um episódio em pizzicato dá espaço ao retorno da dolorida e bela melodia principal deste movimento, agora apresentado em atmosfera um pouco mais leve, porém ainda trágica. Explode, então, nas cordas, uma frase derivada do tema do destino, tal qual uma valsa rodopiante e exasperada. Tudo se acalma... Violentamente, a fanfarra volta a lembrar da advertência do destino, e o movimento desfaz-se lentamente.

III. Valse: Allegro moderato (Valsa: Rápido mas moderado) — cerca de 6 minutos 
Tudo que ouvimos até aqui nos mostra certa paridade com a Quarta, escrita sob a pressão do destino e das imposições da vida, símbolos do casamento fracassado de Tchaikowsky. Mas, onze anos depois, esta Quinta seguirá diferente. E a transmutação da sombra inicial em luz começa nesse magnífico terceiro movimento. Aqui, onde se deveria esperar de um Romântico um Scherzo (tal como Beethoven firmara na tradição), onde outrora Haydn escrevia Minuetos, Tchaikowsky apresenta-se em pessoa, de forma inequívoca: o autor do "Lago dos Cisnes" lança mão de uma Valsa belíssima, contida, sensível. É como se a afirmação da personalidade do autor pudesse florescer mesmo frente às maiores dificuldades — ou, por outra, a vida impõe, mas o herói não perde sua essência. A valsa é, como tudo, derivada do tema do destino, mas muito mais leve e radiante. Porém, nos últimos compassos da Valsa, quase como que ameaçador, ou simplesmente marcando sua presença, o tema do destino aparece novamente.

IV. Finale: Andante maestoso — Allegro vivace (Final: Passo de caminhada majestoso — Rápido e vivaz) — cerca de 12 minutos
Então o tema que acabou de ser ouvido no final da valsa ainda soturno, é entoado novamente como se fosse cantado por um coral. Aqui, no Finale, esse tema será totalmente transformado, renovado, entoado por toda a orquestra como um canto de vitória, uma celebração da vida. Outra vez tiveram, os detratores de Tchaikowsky, munição para desmerecê-lo. Classificaram este movimento de vulgar, bombástico e oco. Mas não conseguiram ver nele a vastidão de sentimentos que são expostos, sem reservas — e, talvez por isso mesmo, algo incômoda — e desabrida, provenientes do discurso autêntico de um homem sensível, que em face da maledicência e do julgamento impiedoso que sufoca tantas pessoas melhores em todas as épocas, buscou nesta obra uma saída. Se na obra anterior, a alternativa ao destino foi achar uma válvula de escape, aqui ele acredita que é possível conviver com sua realidade. Infelizmente, a próxima Sinfonia do autor irá mostrar que a realidade venceu o homem e ele retira-se de cena, triste mas elegantemente. Mas aqui, é vencedor como o herói que não quis sucumbir ao destino. 

© RAFAEL FONSECA