(1909) MAHLER Sinfonia n. 9

Compositor: Gustav Mahler
Número de catálogo: MW 10
Data da composição: 1908 a 1909
Estréia: 26 de junho de 1912 — Em Viena, a Filarmônica de Viena sob regência de Bruno Walter

Duração: de 1 hora e 10 minutos a 1 hora e 25 minutos

Efetivo: 1 flauta-piccolo, 4 flautas, 4 oboés (um alternando com corne-inglês), 4 clarinetas, 1 clarineta-baixo, 4 fagotes (um alternando com contra-fagote), 4 trompas, 3 trompetes, 3 trombones, 1 tuba, tímpano, bumbo, caixa-clara, pratos, gongo, triângulo, 3 sinos, 1 glockenspiel, 2 harpas, as cordas (primeiros- e segundos-violinos, violas, violoncelos, contra-baixos)

Ao terminar sua Oitava Sinfonia, em 1907, Mahler quis fugir daquilo que acreditava ser a "Maldição das 9", posto que Beethoven, Schubert e outros jamais ultrapassaram o número fatídico para criar uma Décima. Tentando driblar o destino, chamou a Sinfonia de "Canção da Terra", sem qualquer número. O artifício de nada adiantou: após a referida obra, veio esta Nona e ele não pôde completar a Décima... 

Assim como toda a música do Romantismo deriva-se, de certa forma, das últimas 5 Sinfonias de Beethoven, a Nona de Mahler é o germe de toda a música do século XX. Suas inovações fascinaram Berg, Schoenberg, Stravinsky e tantos outros. As possibilidades abertas por esta obra extrapolam tudo o que ele havia criado antes, e devemos ter em conta que o arco entre a Primeira Sinfonia e a Canção da Terra já seria suficientemente revolucionário. 

Ela explora a forma tradicional de 4 movimentos, porém fazendo uma inversão da ordem esperada, com dois movimentos lentos emoldurando dois movimentos centrais rápidos. Mas muito além da simples forma, o que traz o novo, o que é tão fascinante, é o conteúdo. Nunca antes a música quis — ou pôde — significar tanto. 

E mais do que isso, a Nona de Mahler é puro fascínio. Não é, devemos reconhecer, uma obra fácil. Não que haja dificuldades do ponto-de-vista estético, dissonâncias insuportáveis ou barulhos alucinados. Não. Na verdade, ela é plena em beleza. O que há é um excesso tal no conteúdo, que a experiência de ouví-la exaure, exige. Não é música para toda hora, é preciso muito para digerí-la. É mais que música, eu reforçaria: é uma experiência de vida.

I. Andante comodo 
(A passo de caminhada, confortavelmente) — cerca de 28 minutos
Logo de início, uma marcação de tempo que lembra a Marcha fúnebre, na qual a respiração sôfrega da música dá-nos a impressão de que pouca esperança existe no coração do compositor. A beleza dos curtos temas é fragmentada, como se um prisma dividisse uma valsa de Strauss em pedaços, que tentam se juntar outra vez, mas o fazem de forma desencontrada. Num âmbito mais abrangente, o conjunto desses temas vão se sucedendo em repetições que ganham urgência e explodem, como que não se contendo à forma originalmente determinada. O longo desenvolvimento das idéias musicais nesse movimento coloca sempre em contraste a beleza desses fragmentos temáticos com o caminho que o compositor vai dando-lhes, como se vez ou outra o cenário fosse sufocante demais, provocando a compressão e imediata expansão libertadora das mini-frases musicais. O jogo de pressão e alívio não se dá no terreno do óbvio, mas é revelador da própria maneira com a qual Mahler enxergava a vida e o destino: as tais explosões libertadoras desembocam em estreitas e angustiantes passagens, que por sua vez são atormentadamente belas. E muitos desses ápices vulcânicos são precedidos de trechos de puro desespero. Nada se assemelha a este Primeiro movimento, ele, por si só, um monumento enigmático na história da música. A dissolução do movimento, com o violino-spalla respondendo aos ecos dos instrumentos da orquestra, mostra o desconcertante existir de Mahler em seu mundo, privado de trabalhar na sua amada Viena e buscando chances no Novo Mundo.

II. Im Tempo eines gemächlichen Ländlers: Etwas täppisch und sehr derb
(Em tempo de um vagaroso Ländler: Meio desajeitado e um pouco rude) — cerca de 16 minutos
Um Ländler, a dança camponesa típica austríaca que deu origem à refinada valsa dos salões vienenses. Mas um Ländler que desintegra-se facilmente, que tem em sua própria distorção o seu desenvolvimento. O clima, mais que jocoso, atinge o deboche. Será ironia com as próprias dores, expostas no movimento anterior? Uma segunda passagem traz uma valsa rápida, rodopiante, alucinada. No centro do movimento, o que poderíamos ver como um sopro de música neo-clássica, um eco da sua Quarta Sinfonia. Logo a música retoma os ares histriônicos, para terminar delicadamente. 

III. Rondò-Burleske: Allegro assai, Sehr trotzig
(Cíclico e burlesco: Muito rápido, e muito desafiador) — cerca de 12 minutos
Um Scherzo, violento e implacável. Soa como a antecipação nervosa de algo muito grave a caminho. O caráter burlesco, da imitação risonha, permeia todo o movimento. Há passagens onde o grotesco ajuda a construir o cenário, com alusão à música circense, à banda de coreto, ao cortejo militar. Perto da conclusão do movimento, o trompete, soando febril, chama os violinos para uma reflexão apaixonada que remete ao início da Sinfonia, um trecho que antecipa a melodia do finale (a seguir). Mas a selvageria diabólica do discurso de humor ácido retorna, para concluir o movimento de forma zombeteira.

IV. Adagio: Sehr langsam und noch zurückhaltend
(Com calma: Muito lentamente e ainda assim cauteloso) — cerca de 22 minutos
Tendo como único precedente a Sinfonia Patética de Tchaikowsky, a Nona de Mahler não irá terminar triunfante, mas irá se dissolver num longo e dolorido Adagio. Alguns querem enxergar, aqui, Mahler se despedindo da vida. Talvez, mas não nos esqueçamos que ele chegou a iniciar a composição da Décima, cujo único movimento terminado foi o primeiro, igualmente um Adagio. O fato é que a música aqui é de uma desolação total. É a amarga aceitação da pior face da humanidade, exibida no movimento anterior. A elegia em torno da morte, os sucessivos clímaxes que vão levando o ouvinte a um horizonte cada vez mais distante — e cada vez mais sem volta. Mahler, ao escrever esta obra, já tinha passado pelos 3 golpes do destino, previstos nas marteladas da Sexta Sinfonia (a morte da filha, a descoberta de uma doença cardíaca incurável, e a demissão da Ópera de Viena), e ainda iria descobrir o golpe final, o caso extra-conjugal de sua esposa, Alma, com o jovem arquiteto Walter Gropius (o futuro pai da Escola de Bauhaus era ainda desconhecido). Talvez esse movimento de tanto desespero e falta de esperança seja a antecipação dessa descoberta, já que tantas vezes Mahler antecipou sua vida em sua obra. A última nota, quase inaudível, está marcada na partitura com a indicação "morrendo". 

E Gustav Mahler vai morrer em 1911 sem nunca ter escutado essa Sinfonia, que é o ápice de sua criação sinfônica. 
  
© RAFAEL FONSECA


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